17 de agosto de 2015

Sonhos de Kurosawa Gordon XIII

– Como você faz para escrever?

Quando ela me fez a pergunta, estávamos sentados na sala de uma casa de campo. E eu respondi animado, porque gosto de falar sobre como escrevo. Não é uma questão de ego, mas de necessidade. Sempre que eu falo sobre como escrevo, eu pareço entender mais sobre esse assunto, e isso me faz bem. Como pessoa e como escritor.

– Eu uso barras de ferro, foi tudo o que eu respondi.

– Como assim?

Precisei parar e pensar antes de continuar, por que... Bem, eu não tenho certeza se já havia pensado isso antes. Mas eu certamente nunca havia falado isso para ninguém.

– Eu tenho milhares de barras de ferro presas no alto do meu cérebro.

E, no momento que eu disse isso, olhei para cima e vi as barras ali. Eram incontáveis, todas redondas, de grossuras e texturas diferentes. Mas todas do mesmo comprimento. Estavam penduradas e balançavam, uma se chocando com a outra e a outra se chocando com uma terceira, que batia na seguinte. Mas isso não fazia som. Estava ali, mudas e eu peguei uma delas para mostrar como eu escrevo.

– Sempre que eu preciso fazer um texto, eu venho aqui e procuro a barra de ferro que melhor vai se encaixar com a ideia. Aí eu pego a barra e vejo qual o tamanho do texto.

– Porque as barras têm o mesmo tamanho...

– Sim. Aí eu apenas pego a barra e, se eu preciso que ela seja desse tamanho, eu faço ela se encurtar. Se for maior, eu alongo a barra.

Para mostrar melhor, eu fiz exatamente o que estava falando. Segurei a barra de ferro pelos cantos e apertei, fazendo com que ela ficasse com a metade do tamanho. Em seguida, segurei-a novamente pelas pontas e abri os braços, fazendo a barra crescer até ter quase o dobro do tamanho original.

Ela me olhou encantada e eu continuei.

– Eu mexo apenas no tamanho, mas é a mesma barra. A mesma textura, a mesma largura.

– Então, você já tem todos os textos prontos dentro da sua cabeça?

– Sim. Basicamente sim. Por isso eu escrevo tão rápido, eu respondi, pendurando a barra de ferro no local original.

Enquanto eu arrumava a barra junto com as outras, ela me fez uma pergunta importante.

– Você não tem medo que as barras de ferro acabem?

Eu estava sonhando com uma tia da Esposa, já falecida. E eu queria ter acordado nessa hora. Não acordei, mas cortei o sonho e parti para outro lugar – na mesma casa – com outras pessoas, outras histórias, outros sentimentos. Como não acordei, foi o modo que encontrei de não responder à pergunta com sinceridade. Pois minha resposta seria:

– Eu morro de medo disso. 

2 comentários:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

Ainda bem que as barras não acabam, pq uma ideia no papel chama outras pra conversar, que chama outras e mais outras...
Abraços!!

Varotto disse...

Se seus textos já não existissem (armazenados em ferro) tinham de ser inventados...