4 de dezembro de 2014

A Cena do Chuveiro



Talvez 2014 tenha sido o ano que mais viajei a trabalho na minha vida. Fui para Minas Gerais, interior de São Paulo, Recife. Este texto, por exemplo, estou fazendo em Goiás.

E viajar a trabalho é aquela baita correria, não dá tempo de ver nada. É do aeroporto para o hotel, do hotel para reunião, vai comer alguma coisa, volta para o hotel, vai do hotel para outra reunião, da reunião para o aeroporto. Por isso que um dos poucos prazeres que tenho quando viajo a trabalho é meu quarto no hotel. Já que não vou conhecer nada, já que vou trabalhar o tempo inteiro, ao menos tenho conforto.

Isso, claro, não quer dizer que eu precise de um hotel cinco estrelas – pelo contrário, já fiquei em algumas pocilgas pelo Brasil. Mas faço questão de algumas coisas: uma cama boa, uma televisão que tenha uma imagem decente, silêncio e atendentes que entendam o que eu falo. E, claro, um frigobar com latas de Coca Zero e – importantíssimo! – um saco de castanha, que é a primeira coisa que pego quando entro no quarto.

Se tiver tudo isso, está perfeito. Se não tiver nada disso, mas ao menos castanha e Coca Zero, já está bom também.

Mas se existe algo que eu já desisti em hotéis: entender o funcionamento do chuveiro. Normalmente hotéis têm chuveiros muito melhores que os que temos em casa, mas os de casa possuem uma vantagem. Você conhece a torneira. E não se engane: o segredo de um bom banho começa na torneira. Em casa, você abre a torneira na medida certa automaticamente, e a água começa a cair já na temperatura ideal. Em casa, você é o mestre das torneiras.

No hotel, não.

No hotel, não é você quem manda. É a torneira. Você é apenas um escravo das torneiras – que sempre andam em dupla – e sujeito as suas oscilações de humor.

Nesta viagem que estou fazendo, cheguei de manhã e fui direto para reuniões. Passei o dia ainda com a mala, chegando ao hotel somente no final do dia. Quer dizer, na verdade, eu cheguei ao hotel no final da tarde, mas só entrei no meu quarto à noite. Isso porque o hotel tem apenas dois andares mais é gigantesco, e eu fiquei hospedado no quarto mais longe possível da recepção – acho que é seguro dizer que o hotel fica em Anápolis, mas meu quarto ficava em Goiânia.

Enfim, entrei no quarto, comi o pacote de castanhas e virei uma lata de Coca. E me preparei para o banho, jogando a roupa em qualquer canto.

E assim, como vim ao mundo, entrei no box e examinei as torneiras.

Eram duas, mas sem qualquer indicação de qual era a de água quente e qual a de água fria. Olhei para cima: o chuveiro era gigante, parecia um disco voador do Independence Day em escala 1:1. Pelo tamanho dele, devia ter uma vazão equivalente às Cataratas do Iguaçu, então dei um passo para trás, escolhi uma torneira ao acaso e girei um pouco.

Nada.

Girei mais um pouco.

Nada.

Girei a outra torneira, me perguntando o que eu estaria fazendo de errado.

Nada.

Voltei para a primeira torneira e girei mais um pouco.

A água começou a cair. Aliás, ela não começou a cair, mas sim a jorrar do chuveiro, numa temperatura de mais ou menos 2 graus Celsius.

E como o chuveiro era daqueles que fica na diagonal, não adiantou nada eu ter ficado longe do chuveiro. A água caiu diretamente na altura dos meus joelhos, fazendo eu me encolher na parede do box para escapar da água congelante, me protegendo com as mãos feito uma garota virgem que descobriu que está pelada no meio da rua.

Eu tinha duas alternativas. A primeira era sair do banheiro, pedir para algum funcionário do hotel desligar o chuveiro para mim e desistir de tomar banho nos dois dias seguintes por causa da água fria. Mas como isso me transformaria numa espécie de personagem principal de Os Doze Condenados, eu decidi que seria melhor tentar abrir a água quente.

Respirei fundo e fiz isso o mais rapidamente que consegui, gritando um puta que pariu merda de água gelada puta que pariu e girei a outra torneira.

A temperatura não mudou. Aliás, pareceu esfriar ainda mais, mas não tive tempo de pensar sobre isso, já que a pressão da água aumentou, como se o chuveiro fosse uma mangueira industrial jorrando litros de água congelante na altura do meu peito. Fui jogado para trás e fiquei completamente encurralado num canto do banheiro, tentando me proteger com as mãos, feito um daqueles presidiários de filmes que são castigados pelos guardas com jatos industriais de água.

Agora, não era mais o frio que me incomodava, mas sim o fato de que eu estava quase estabelecendo um novo recorde de estupidez: eu iria me afogar em pé. Assim, protegendo meu rosto do jato da água, tateei em busca da outra torneira, ou da primeira torneira, ou de qualquer torneira. Assim que encontrei algo parecido com isso, comecei a girar.

A pressão da água não aumentou. Melhor ainda: ela começou a esquentar. Aos poucos, ela se tornou ideal: pressão perfeita, temperatura agradável. Assim, certo de minha vitória, entrei embaixo dela, fechei os olhos e relaxei um pouco.

Instantes depois – eu ainda não tinha começado a tomar banho direito, estava apenas descansando um pouco – a pressão da água aumentou sozinha, sem eu mexer em torneira alguma. E pior, a água descobriu que gostava desse negócio de esquentar, e sua temperatura pulou para uns oitenta graus, se transformando num rio de magma.

Pulei para fora do box gritando.

Meu ombro e meu peito estavam ardendo, mas eu precisava fazer alguma coisa. Assim, abri uma pequena fresta do box e fiquei observando a água, tomando cuidado para que ela não me visse ali – eu tinha certeza que ela podia jogar um jato de água escaldante na minha cara a qualquer momento, só de sacanagem – e pensando no que fazer. Estiquei a perna e molhei a ponta do pé: fervendo.

Pensei em sair, fumar um cigarro e esperar o chuveiro esquecer que eu estava por perto e talvez desligar sozinho, mas como eu ainda iria sair para jantar, o tempo era curto. Assim, decidi encarar o monstro de frente. Entrei num canto do box e fiquei analisando a melhor maneira de desligar as torneiras sem ter uma queimadura de 18º grau.

O único modo era esticar o braço pelo canto do box, tentando fugir da água. Mas como não sou contorcionista – e se a humanidade deu algum salto evolutivo que permite os ossos do braço se dobrarem e fazerem curvas, eu não fui sequer avisado disso – acabei enfiando metade do braço na água...

Que estava gelada novamente.

Em algum lugar do encanamento, algo soltou uma risada não humana.

Fechei a água rapidamente e comecei o banho novamente. Mas desta vez, abri as torneiras milímetro por milímetro, me comportando como um arrombador de cofres. Cinco para a esquerda. Dois para a direita. Três para a esquerda. Dois para a esquerda.

Assim, depois de alguns minutos, consegui água numa boa temperatura, mas paguei um preço por isso, precisando tomar banho de gato, com seis ou sete gotas que caíam do chuveiro. Qualquer gota a mais faria a temperatura da água descer para nível Oceano Ártico ou subir para Intestinos do Vesúvio.

Mais tarde, ao sair do hotel, parei na recepção. Queria conversar sobre o chuveiro, se tem algum modo especial de usá-lo sem correr risco de vida.
– Oi, você pode me ajudar?

– Claro. O que senhor precisa?

Foi quando eu percebi que, independente da forma que eu colocasse o assunto (“Como eu abro o chuveiro do quarto?” “Quanto eu preciso pagar para conseguir tomar um banho morno?” “Você sabe que o chuveiro do 153 está vivo?”), eu pareceria um idiota. Eu poderia ter ganhado a primeira batalha, mas teria que enfrentar a guerra contra o chuveiro sozinho.

Além disso, se eu pedisse ajuda à recepção e o chuveiro descobrisse, provavelmente haveria retaliações. Talvez enquanto eu estivesse dormindo.

– Senhor?

– Desculpe, eu me distraí.

– Em que posso ajuda-lo?

– Nada. Mudei de id... Ah, pede para levarem mais um saquinho de castanhas o meu quarto, por favor. Eu já comi o que estava lá.

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